Dificuldades da Informalidade no Setor Cultural São Pontuadas em Debate na CDH

Dificuldades da Informalidade no Setor Cultural São Pontuadas em Debate na CDH

Convidados de audiência pública promovida nesta segunda-feira (13) na Comissão de Direitos Humanos (CDH) apontaram desafios da informalidade entre trabalhadores do setor da cultura, como a dificuldade de cobrar direitos de seus empregadores. A reunião atendeu a requerimento (REQ 26/2024-CDH) do senador Paulo Paim (PT-RS) para comemorar e debater o Dia Nacional da Trabalhadora e do Trabalhador da Cultura, celebrado nesta segunda.

Paim, que é presidente da CDH, afirmou durante a audiência que a situação dos trabalhadores do setor cultural requer “um mínimo de regulamentação”, mas isso deve ser feito ouvindo as necessidades da categoria. Ele lembrou que é relator de uma sugestão legislativa (SUG 12/2018) que propõe novas relações de trabalho, após a reforma trabalhista de 2017 — que, para o senador, promoveu retrocesso nos direitos trabalhistas.

— Temos que encontrar alguns caminhos. Sou relator aqui [no Senado] do novo Estatuto do Trabalho, a CLT do século 21. Posso me comprometer a ter um capítulo específico sobre a sua atividade. O estatuto é isso, busca abranger o mundo do trabalho dentro da realidade de cada um.

O representante do Sindicato de Eventos (SindiEventos) do Estado da Bahia, Adriano Malvar, criticou a fiscalização estatal na garantia de direitos sociais e de trabalho à classe. Segundo ele, o trabalhador não tem força para, sozinho, exigir do empregador requisitos básicos de uma formalidade no contrato.

— Trabalho no Carnaval de Salvador desde 2000 e nunca assinei um papel. Não tem fiscalização. Se você se tornar exigente com sua contratação, você é retirado dessa fila de trabalho. Se você começa a lutar pela regulamentação por essa organização, você é retaliado. Não adianta criar leis e leis, e a fiscalização não acontece — disse Adriano.

A representante da Articulação Nacional de Trabalhadores em Eventos (Ante) Alexandra Ferreira Gonçalves acusou os eventos de serem “terra sem lei”. Ela ainda disse haver falha na execução da Lei Aldir Blanc (Lei 14.017, de 2020, que criou  o auxílio de R$ 600 para trabalhadores do setor durante a pandemia de covid-19), por não chegar a muitos trabalhadores mais vulneráveis. Para Alexandra, porém, a criação de novas leis faz parte da solução do problema. Ela propôs a elaboração de um estatuto dos trabalhadores da cultura.

— Não existe fiscalização. Evento é terra sem lei. A gente tem técnicos que ganham R$ 60 por 18 horas de trabalho, sem direito à alimentação, sem direito a água… Tem muitos trabalhadores da cultura que trabalham em situações análogas à escravidão — disse Alexandra.

Regulamentação

O diretor de Políticas para os Trabalhadores da Cultura do Ministério da Cultura, Deryk Vieira Santana, afirmou que a pasta recebe denúncias de situações do tipo, inclusive de “megaeventos”, com preços de ingressos superiores a um salário mínimo. O diretor propôs a regulamentação das profissões da cultura e a qualificação profissional — que são diretrizes da pasta, segundo ele — como formas de contornar a informalidade. A demanda, diz, também é dos representantes do setor que participaram da 4ª Conferência Nacional de Cultura, que ocorreu em março.

Santana afirmou que a Lei 6.533 (de 1978), sobre artistas e técnicos em espetáculos, e a Lei 3.857 (de 1960), que regula a profissão de músico, são as principais regulações de profissões no setor, mas estão desatualizadas.

— Nós somos um setor que tem alto índice de informalidade. A gente tem pesquisa que nos traz entre 36% e 42% de informalidade no setor cultural […] Foi muito colocado, dentro das conferências, propostas [que] tratam da necessidade de atualização dessas legislações — relatou.

O secretário da Cultura da Central Única dos Trabalhadores (CUT) de São Paulo, Carlos Eduardo Fábio, também defendeu a regulamentação. Mas o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) Frederico Augusto Barbosa da Silva apontou dificuldades em abranger todas as profissões, diante das características multifacetadas dos profissionais da cultura.

— O mercado de trabalho na área da cultura é caracterizado por particularidades que refletem a natureza dinâmica e multifacetada desse setor; tem audiovisual, teatros… Mesmo que pensem em regulação geral, tem que pensar em especificidade para cada uma dessas áreas. Tem muitas áreas com características muito diferentes, e aí a dificuldade de regulamentação e de proteção é muito grande. 

Barbosa ainda afirmou que a adoção de políticas de fomento estatal, como a realização de editais para seleção de projetos a serem financiados, possui o efeito adverso de aumentar a fragmentação no setor e prejudica a formação de organizações e associações que busquem direitos para esses trabalhadores.

Apoio a projetos

A presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica, Sônia Teresa Santana, afirmou que o Projeto de Lei (PL) 152/2022, que tramita na Câmara dos Deputados, auxiliará os artistas e técnicos de espetáculos na busca por seus direitos. O projeto prevê o direito de associação sindical e de representação por entidade de classe em acordos e convenções coletivas de profissionais que sejam contratados como pessoas jurídicas. Segundo ela, a prática já é comum no mercado.

— Não adianta a gente ignorar uma realidade, e sim buscar uma proteção para essa realidade. Não existe uma pessoa jurídica de fato, e sim um trabalhador que emite um documento fiscal para receber de forma acelerada e de uma forma segura profissional — afirmou.

Sônia, que também é conselheira do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, ainda apontou o risco que as inteligências artificiais generativas (ou seja, que criam conteúdos) trazem para os profissionais.

Deryk Santana também apoiou a regulamentação da tecnologia. Segundo o diretor do MinC, profissionais do setor de dublagem já correm o risco de terem menos contratações no futuro.

— Nós temos um caso muito simbólico do pessoal da dublagem, que hoje já recebe o contrato falando: “Olha, vocês vão dublar este [filme] agora, mas a sua voz poderá ser utilizada com inteligência artificial em outras obras”. Ou seja, faz uma vez e não faz nunca mais — disse.

O Senado já discute a regulamentação da tecnologia, tratada no PL 2.338/2023, do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e no PL 21/2020, da Câmara dos Deputados. Ambos receberam um texto alternativo do relator, o senador Eduardo Gomes (PL-TO). Os projetos estão em análise na Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial.

Minuto de silêncio

Os convidados fizeram um minuto de silêncio em homenagem aos mortos e desaparecidos no Rio Grande do Sul em razão das enchentes que aconteceram nos últimos dias. O pedido foi feito por Paim, que se solidarizou com as vítimas de seu estado.

— Vamos ao Rio Grande do Sul para ouvir o governador, visitar alguns abrigos… Tudo por lá é dor, é desespero. Mas a esperança continua firme, nosso povo gaúcho é persistente e não desiste assim — disse Paim, que preside a comissão temporária externa criada pelo Senado para tratar da crise.

Fonte: Agência Senado