Como decisão do STJ coloca em risco tratamentos especializados nos planos de saúde
Mãe de gêmeos autistas, de 7 anos de idade, Bárbara Campos, psicopedagoga, 39 anos, teme pela saúde dos filhos. Uma possível interrupção e limitação dos tratamentos e procedimentos cobertos atualmente pelo plano de saúde pode levar a sérias consequências para as crianças.
No último dia 23 de fevereiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) adiou mais uma vez o julgamento de recursos que podem definir se a lista de procedimentos de cobertura obrigatória para as operadoras de saúde, instituída pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), é exemplificativa ou taxativa.
Na prática, caso a interpretação passe a ser taxativa, os planos poderão acatar ou não o número de procedimentos, terapias ou tratamentos determinados por um médico.
“Na interpretação taxativa, o plano vai estipular quais os tratamentos os meus filhos terão acesso e a quantidade, também”, disse Bárbara.
Crianças podem sofrer sérias consequências caso não consigam realizar tratamentos
Fundadora da Força Azul Autismo, grupo de apoio à pais de autistas do Espírito Santo, fundado há 4 anos e que conta com mais de 300 integrantes, Bárbara destaca o fato de existirem famílias de pessoas com deficiência que fazem 40 horas semanais de terapia.
“Se o plano achar que isso é muito e estipular 10 horas, essas crianças correm o sério risco de sofrerem um retrocesso ou ficarem estagnadas nos seus desenvolvimentos”, alertou.
“Nós já temos muitos transtornos com as operadoras de saúde hoje em dia. Se tiverem o poder de definição, as coisas ficarão ainda mais complicadas. Inclusive, de nada adiantará permanecer pagando os planos. Quantas vezes já foi preciso ajuizar uma ação na Justiça para conseguirmos um número “x” de horas de terapias. Ou até pagar os atendimentos para depois pedir o reembolso para o plano. Imagine se a interpretação dos procedimentos muda!”
Bárbara lembra que não são apenas os pais de autistas que sofrerão as consequências de uma possível mudança na interpretação da lista de procedimentos da ANS.
Para ela, a luta é de todos que necessitam de determinados medicamentos e tratamentos que hoje não estão detalhados ou pontuados no rol da agência.
“Estamos lutando para o desenvolvimento dos nossos filhos. Para que tenham uma vida mais próxima do normal possível. Essa condição não afeta só os autistas, não. Reflete em todos os tipos de doenças. Tem pais que não têm dinheiro para pagar a mensalidade dos planos de saúde e dependem do Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas) para garantir o acesso das crianças aos tratamentos via planos. Imagina se as operadores limitarem esse tratamentos?”
Bastante apreensiva com toda a situação em torno do tema, a mãe do Luca e do Davi disse ainda que a expectativa é de que as coisas permaneçam como estão. Que a interpretação siga exemplificativa, oportunizando o acesso ao que se faz eficiente para cada pessoa.
A psicopedagoga ainda faz um apelo. “O apelo da gente é para que os ministros tenham a sensibilidade de ver que necessitamos muito desses tratamentos e que o médico é o profissional que conhece cada paciente, as individualidades e necessidades de cada um. O que é eficaz para ele. Não cabe ao plano de saúde definir o que é ou não bom para a saúde do paciente, mas sim ao médico”, destacou.
Planos não terão que acatar prescrições que estiverem fora do rol da ANS
Advogada com atuação exclusiva na área de saúde, Luciana Batistoni conta que 99% da demanda que recebe é de clientes que precisam acionar a Justiça para garantir o acesso a medicamentos e tratamentos específicos negados pelas operadoras de saúde.
Desde setembro de 2021, quando o STJ começou a julgar os recursos para definir como deve acontecer a interpretação do rol de procedimento da ANS, a preocupação é com as consequências dessa decisão.
“Até hoje, o entendimento majoritário é o de que havendo uma prescrição médica robusta, bem fundamentada, o plano estaria obrigado a cobrir o que foi pedido. Porém, se o rol deixar de ser exemplificativo e passar a taxativo, nem assim as pessoas vão conseguir acesso aos tratamentos e medicamentos”, destacou Luciana.
Isso significa que os planos poderão negar prescrições específicas para tratamentos, por exemplo, de pacientes com doenças severas, como o câncer, a esclerose lateral amiotrófica (doença que afeta o sistema nervoso de forma degenerativa e progressiva e que acarreta em paralisia motora) e milhares de outras patologias existentes na medicina.
Luciana pontua que para os autistas os desdobramentos podem ser ainda maiores. “Em regra, as crianças com autismo precisam de abordagens terapêuticas bastante específicas e nenhuma dessas abordagens está contemplada no rol da ANS”, afirmou.
Um exemplo está diretamente ligado a questão sensorial dos autistas. 90% das crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentam as interações sensoriais alteradas e por isso, precisam de uma terapia voltada exclusivamente para tratar essa alteração.
“Se a criança for tratada, principalmente na primeira infância, com a abordagem devida e com os tratamentos que precisa, pode ser tornar um adulto funcional, independente, sem a necessidade de apoio. Para adquirir autonomia os autistas precisam de repetições. Eles aprendem executando e não copiando.”
Outro ponto destacado por Luciana é a generalização das terapias por parte dos planos, como se todas fizessem parte de uma mesma seara. Só que, de acordo com a advogada, várias dessas terapias exigem certificações e cursos que vão além do que é aprendido na faculdade ou em uma pós-graduação e que o número de profissionais que se capacitaram ainda é pequeno no mercado.
Após o pedido de vista no julgamento do dia 23 do mês passado, uma nova seção deve ser marcada em até 90 dias no Superior Tribunal de Justiça.
Reprodução: Folha Vitória
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