Julgamento sobre aborto legal pode entrar na pauta no STF em agosto
Após um final de semestre turbulento com o Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode retomar os trabalhos em agosto com o julgamento sobre a norma do Conselho Federal de Medicina (CFM) que dificulta a realização de procedimentos de aborto legal no país.
Embora a pauta de agosto, que já foi divulgada, não inclua a ação que questiona a regra do CFM e traga casos considerados pouco polêmicos, que existe a possibilidade e a vontade por parte do presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, de que o caso seja julgado já na volta do recesso. No calendário de julgamentos, existem três sessões extraordinárias, realizadas às quintas-feiras, que estão “vagas” — com nenhum processo incluído.
Publicada em abril, a resolução do CFM restringe o aborto legal resultante de estupro após 22 semanas. A normativa proíbe médicos de realizarem um procedimento chamado assistolia, que provoca a morte do feto, em gravidezes em estágios mais avançados. O aborto em casos de estupro no Brasil é autorizado pela legislação brasileira e deve ser oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A preocupação do STF em julgar logo o caso se dá pelo fato de a norma do CFM ter sido suspensa por uma liminar dada pelo ministro Alexandre de Moraes em 17 de maio. O que significa que a decisão provisória dada por Moraes está pendente de confirmação ou rejeição por parte dos demais ministros.
Atualmente, a prática no Supremo é de que decisões temporárias dadas de forma individual pelos ministros sejam levadas para análise colegiada — uma forma de respaldar as decisões e reforçar a coletividade daquilo que é decidido pela Corte.
Congresso reagiu
A decisão de Moraes que suspendeu a norma do conselho de medicina começou a ser julgada no final de maio pelo plenário virtual do Supremo, mas um pedido de destaque do ministro Nunes Marques paralisou o julgamento. Assim, a suspensão determinada por Moraes segue válida e a regra do CFM não está vigente.
Após a decisão de Moraes, a Câmara passou a discutir um projeto de lei sobre o tema. O texto em tramitação prevê penas de até 20 anos de prisão para quem fizer um aborto após 22 semanas de gestação, até mesmo em casos de estupro — situação em que a interrupção da gravidez é permitida em lei no país.
Mesmo com a ciência de que o tema desperta polêmicas com o Congresso, o presidente do STF avalia de forma reservada que a medida precisa ser apreciada pelos demais ministros, sendo uma “questão de direito”, muito mais do que uma questão política.
A interlocutores, Moraes também vem defendendo que a questão de fundo não tem a ver com o mérito do debate sobre a legalidade do aborto – mas sim sobre a extrapolação de um órgão (no caso, o CFM) em uma matéria que já está prevista na legislação brasileira.
Em sua decisão de maio, o magistrado disse entender que a autarquia avançou em sua competência ao fixar limites para o aborto legal, que não estão previstos na lei brasileira. Segundo Moraes, o CFM “transborda do poder regulamentar, impondo tanto ao profissional de medicina, quanto à gestante vítima de um estupro, uma restrição de direitos não prevista em lei”.
Apesar da avaliação de que existe urgência em dizer se a liminar de Moraes é válida ou não, no Supremo há quem defenda que a análise deva ficar apenas para depois das eleições de outubro. O entendimento dessa ala é o de que, embora o caso não discuta em momento algum a constitucionalidade do aborto no país, mas sim a validade de uma norma, o tema deve acirrar ânimos no país.
“O CFM tem competência legal de normatizar o exercício ético da medicina. A resolução em particular passou na Câmara Técnica de Bioética e na Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia. Houve um processo longo de discussão técnica e ética. Essa normativa de forma alguma tentou vilipendiar os direitos dessas mulheres ou não atentou para a delicadeza e traumas que essas mulheres sofrem”, disse a conselheira.
Enquanto a liminar dada por Moraes não for julgada pelos demais ministros, a suspensão à regra do CFM segue valendo — e o procedimento utilizado para abortos após 22 semanas de gestação não poderá gerar punições aos médicos que o executarem.
Outros conflitos
Nos bastidores do Supremo, a previsão é a de que outros temas relevantes acabem surgindo na pauta de julgamentos ao longo do semestre, como é o caso da ação que questiona limites para atuação das plataformas na internet no âmbito do Marco Civil – em uma outra frente de batalha com o Congresso.
O processo discute a responsabilidade de redes sociais pelos conteúdos publicados em suas plataformas e havia a expectativa de que o ministro Dias Toffoli, relator do caso, liberasse a ação para ser julgada em junho, o que não ocorreu.
No ano passado, as duas ações foram liberadas para julgamento e chegaram a ser pautadas. Entretanto, foram retiradas em razão de o debate de um projeto de regulamentação das redes sociais, o chamado PL das Fake News, estar ocorrendo na Câmara.
Em uma nota divulgada abril por seu gabinete, Toffoli afirmou que seu voto no caso ainda passava por “ajustes pontuais”, mas sinalizou ao Congresso que o STF está disposto a discutir o tema após os parlamentares não terem avançado nos debates.
Outro assunto que deve ser tratado no segundo semestre é o processo que trata das sobras eleitorais — e que pode levar à perda de mandato de sete parlamentares.
Por enquanto, porém, a pauta do Supremo divulgada para o mês de agosto não apresenta processos que possam vir a acirrar os ânimos com o Congresso. O primeiro caso que será julgado no semestre é uma ação do partido Novo contra a Emenda aprovada durante o governo Bolsonaro que viabilizou aumento de gastos em ano eleitoral e destinou R$ 41,25 bilhões até o fim de 2022 para benefícios sociais.
Fonte: Exame
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