Projeto que proíbe passaporte vacinal em Vitória gera divergência entre especialistas
O projeto aprovado pela Câmara Municipal de Vitória, na última segunda-feira (14), que proíbe a exigência do comprovante de vacinação para se ter acesso a estabelecimentos públicos e privados na Capital, tem dividido a opinião de especialistas.
De autoria do vereador Gilvan da Federal (Patriota), o projeto de Lei segue agora para veto ou sanção do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos). Além de proibir a exigência de passaporte vacinal em estabelecimentos comerciais, ele prevê multa a quem exigir o comprovante de vacinação em seu estabelecimento.
Para o advogado constitucionalista Flavio Fabiano, a matéria é inconstitucional e deverá ser contestada futuramente, caso vire lei. Segundo o especialista, ela vai de encontro ao que determinou o governo do Estado, em portaria da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) na última semana de janeiro.
Na análise de Flavio Fabiano, o projeto já nasce com várias imperfeições jurídicas. “A primeira questão é quanto à competência para tratar esse tema, que é do Poder Executivo e não do Legislativo, uma vez que trata de questões relacionadas à própria organização e funcionamento do município. E isso cumpre ao chefe do Executivo, no caso o prefeito”, explica.
Ele cita que o Supremo Tribunal Federal (STF) fez uma interpretação dos artigos 23 e 25 da Constituição Brasileira, em que esclarece o papel dos Estados, dos municípios e da própria União quanto ao funcionamento e a imposição de restrição em bens e serviços e que devem observar o interesse local.
“Ou seja, os municípios podem impor maior restrição relacionadas aos estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços. Mas, na mesma interpretação, o STF também alertou que, em caso de flexibilização de normas pelo Estado, os municípios podem restringir, mas nunca o contrário. Ou seja, quando o Estado restringe não poderá o município flexibilizar regras”, comparou.
Assim, na prática, a projeto de Lei aprovado pela Câmara de Vereadores de Vitória estaria acima do que recomenda a lei estadual, o que não é permitido.
“Não tem o Legislativo competência para tratar matéria que é exclusiva do Executivo. E muito menos flexibilizar no âmbito local uma regra que está restritiva para o Estado”, apontou, dizendo que não há diferenciação se o Estado determina por meio de Lei ou por portaria, como foi o caso da obrigatoriedade do passaporte vacinal recomendada pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa).
Já o advogado Sandro Câmara, especialista em Direito Público e Administrativo, tem uma visão diferente sobre o assunto. Para ele, o projeto de Lei aprovado na Câmara Municipal de Vitória não é inconstitucional.
Ele citou um posicionamento do STF em relação à MP 926, de 2020, editada pelo Governo Federal e que trata de diversas medidas relacionadas ao combate à covid-19, como dispensa de licitação em compras relacionadas à pandemia e regras para circulação de pessoas e mercadorias.
“O Supremo Tribunal Federal pronunciou contrariamente à MP 926, reafirmando que as medidas de saúde pública visando ao combate à pandemia são competência comum a todos os entes federativos, cabendo à União o trabalho de coordenação, não como imposição, mas em respeito à autonomia dos entes e ao princípio federativo”, salientou.
“No caso específico, considerando o que dispôs o STF na ocasião, não me parece que o projeto de Lei 174/2021 padeça de inconstitucionalidades, quer pelo aspecto material ou formal, pois o município poderia não só aplicar mais restrições em relação às normas estaduais e federais, como também, em sentido contrário, estabelecer medidas menos restritivas a par das já existentes, como o fez no caso da proibição do passaporte vacinal”, acrescentou.
O advogado e professor Eduardo Sarlo destaca que, pela Constituição, é permitido aos municípios editar leis sobre saúde e vigilância sanitária, de interesse local e específico, suplementando outras de nível federal e estadual. O especialista explica que geralmente prevalece a norma de maior abrangência, em face dos interesses maiores da nação e do efeito integrador dela.
“Na preponderância entre o interesse econômico e o interesse à saúde em geral, deve prevalecer o segundo. A vida é o bem maior do ser humano e a condição para ser tratado com dignidade também”, afirmou.
O advogado e professor ressalta ainda que a questão vem sendo debatida na sociedade com um viés muito político, em vez de se levar em consideração os aspectos científicos. Para ele, é fundamental a avaliação de um especialista no assunto para indicar o impacto da exigência do passaporte vacinal no controle da pandemia da covid-19.
“Esta discussão atualíssima, em que se coloca em xeque a supremacia do interesse público em face do particular, a ponderação de princípios constitucionais e a capacidade (ou não) do Estado de intervir em situações extremas, nos leva ao cenário que reside o tão falado ‘passaporte de vacinação’. Desta feita, temos que defender medidas que realmente protegem a vida humana, e não medida de natureza política, que priorizam ideologias e propostas políticas eleitoreiras”, frisou.
“Assim, temos que ter uma avaliação técnica de um expert, de um cientista reconhecido no assunto, apontando se realmente o passaporte vacinal hoje é medida relevante para se proteger a vida, ciente de que restrições também podem afetar a vida humana, pois podem trazer miséria, desemprego, violência, criminalidade e negócios fechados”, completou.
Projeto pode virar lei a partir do “silêncio” do prefeito
A aprovação do projeto em Lei pode ser definida pela ausência de opinião do prefeito. “No caso, é possível que o prefeito venha a silenciar para não desagradar seus aliados na Câmara”, destacou Flavio Fabiano.
O advogado explica que, após análise do chefe do Executivo, se o prefeito sancionar o projeto, ele se torna lei e é publicado no Diário Oficial da cidade. Mas o prefeito pode vetar uma parte do projeto ou todo ele. Se vetar alguns trechos, a parte sancionada vira Lei, e os vetos voltam para análise da Câmara.
“O prefeito tem amplo conhecimento jurídico. Ele não vai sancionar, mas ele pode não querer se manifestar a respeito. Neste caso, o projeto retorna para a Câmara dos Vereadores e o presidente da Casa irá promulgar o projeto e ele se tornará Lei. Então, haverá novo desperdício de dinheiro público pois, como indicado, ocorrerão ações diretas de inconstitucionalidade”, criticou.
“Por fim, destaca-se que nascem mortos esses projetos de Lei dado ao vício de inconstitucionalidade e embora sejam constantemente reproduzidas em todas as mídias e jornais acerca da competência de cada ente federado, ainda assim, fica claro que o Legislativo não está cumprindo seu papel constitucional pois invade a área que não lhe afeta”, complementou o especialista.
Vereador diz que projeto defende direito de ir e vir do cidadão
Autor do projeto de lei aprovado nesta segunda-feira pela Câmara de Vitória, o vereador Gilvan da Federal disse à reportagem do jornal online Folha Vitória que o “clamor popular” foi um dos motivos que o levou a apresentar a proposta.
“Meu celular não para de receber ligações e mensagens de pessoas reclamando da humilhação e do constrangimento que estão sofrendo por causa da exigência do passaporte vacinal. Elas estão sendo coagidas de adentrar um local, como se fossem leprosas”, afirmou.
Além disso, o parlamentar alegou que uma portaria não pode afetar o direito constitucional que o cidadão tem de ir e vir.
“O passaporte da vacina começou com uma portaria assinada pelo secretário de Saúde, Nésio Fernandes. Uma portaria, que não é lei. Sem ouvir o povo e sem ouvir a Assembleia Legislativa, que é quem tem a atribuição de fazer as leis no Estado, o secretário fere o direito constitucional das pessoas de ir e vir. É um absurdo uma portaria dividir o povo capixaba, como tem acontecido”, ressaltou.
Gilvan da Federal também questiona a efetividade da medida na prevenção contra a covid-19. “Você exigir o uso de máscara e disponibilizar álcool em gel, tudo bem. Mas de onde tiraram a ideia de que o passaporte vai evitar que haja contaminação? Quem tomou a vacina pega e transmite a doença do mesmo jeito”, argumentou.
“Estão oprimindo quem trabalha, gerando emprego e impostos. Muitos comerciantes tiveram um prejuízo enorme com o comércio fechado na pandemia. Agora o Estado quer multar esse comerciante caso os clientes não tenham o passaporte”, completou o vereador.
Governo do Estado prefere aguardar manifestação de Pazolini
O governo do Estado irá aguardar o posicionamento do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) para se pronunciar a respeito do projeto de Lei que proíbe a apresentação do passaporte vacinal em Vitória para frequentar estabelecimentos públicos e privados como bares e restaurantes.
O projeto de Lei, de autoria do vereador Gilvan da Federal (Patriota), segue agora para veto ou sanção de Pazolini. A matéria vai contra o que determinou o Governo do Estado, em portaria da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) na última semana de janeiro.
A portaria recomenda que o comprovante de vacinação deverá ser cobrado em todos os setores onde as pessoas têm que retirar as máscaras para consumir comidas e bebidas, como bares e restaurantes por exemplo. E, essa exigência acontece independente da classificação de risco do município.
A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) foi procurada para se manifestar. Informou que a manifestação seria feita por meio da Procuradoria Geral do Estado (PGE).
Por meio de nota, a P`GE ressaltou que é necessário aguardar a tramitação do projeto de Lei, que agora vai para sanção ou veto do prefeito. “Mas, vale destacar que a Portaria da Secretaria da Saúde tem fundamento de validade em Lei federal e que o Supremo Tribunal Federal (STF) já afirmou a possibilidade da cobrança do passaporte da vacina”, completou.
Sindicato dos bares e restaurantes também espera definição do prefeito e se preocupa com a “instabilidade das regras”
O Sindicato dos Restaurantes, Bares e Similares do Espírito Santo (Sindbares-ES) disse, por meio de nota, que também prefere esperar pela decisão do prefeito de Vitória para que possa orientar os de Vitória.
Ressaltou que tem conversado com todos os atores do segmento, empresários, empregados e clientes. “Mas a entidade questiona a forma como foi adotada a obrigatoriedade do passaporte, principalmente pela evidente dificuldade operacional e aumento de custos para os estabelecimentos”, ressaltou.
A nota prossegue dizendo que “o setor não suporta mais restrições ao seu horário de funcionamento, portanto devemos sempre incentivar a vacinação em massa, para vencermos de uma vez por todas esta pandemia”.
O sindicato, neste trecho, faz referência ao acordo feito com o Estado. O Executivo estadual decidiu abrir mão da restrição de horário de funcionamento dos bares e restaurantes nos municípios classificados em risco moderado para transmissão da covid-19.
Bares, restaurantes, lanchonetes, lojas de conveniência e distribuidoras de bebidas alcoólicas, por exemplo, só estavam autorizados a funcionar, em cidades nessa situação, de segunda a sábado, até às 22h, e aos domingos até às 16h.
Mas, para saírem dessa limitação de atendimento, os estabelecimentos passaram a exigir o comprovante de vacinação dos clientes.
A entidade termina o comunicado se mostrando preocupada com as modificações constantes das regras de combate à pandemia. “De todo modo, nos preocupa a instabilidade das regras a serem seguidas, razão pela qual aguardaremos a publicação da legislação municipal, após a manifestação do Executivo, para assim, orientar nossa base situada no município de Vitória”, finalizou.
Prefeitura de Vitória se manifesta
A Prefeitura de Vitória foi procurada para saber se o prefeito irá vetar ou sancionar o projeto. A assessoria do prefeito disse que em respeito à independência e à autonomia dos Poderes, vai aguardar o encerramento do processo legislativo e o recebimento do projeto para analisá-lo.
Reprodução: Folha Vitória
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