Castells alerta para a necessidade de regulamentação da Inteligência Artificial; Senado discute projetos
A utilização das redes sociais por pessoas já muito polarizadas pode comprometer o debate democrático racional, levando a um mundo de desinformação, notícias falsas e manipulação de imagens e personagens pela inteligência artificial (IA). O alerta é do sociólogo e professor espanhol Manuel Castells, um dos palestrantes do Seminário Internacional Democracia e Novas Tecnologias, que o Senado vai promover, entre os dias 25 e 27 de março.
Castells diz que o mau uso da tecnologia se agrava em um momento no qual a humanidade se defronta com grandes problemas. Segundo o professor, o debate público tem se convertido em uma série de manipulações que provocam um efeito negativo da tecnologia sobre a democracia. Em entrevista à TV Senado, Castells diz que as tecnologias podem aumentar a crise da democracia. Ele cita o exemplo das eleições nos Estados Unidos e no Brasil, ocasiões nas quais a polarização e o uso das redes sociais ficaram muito evidentes.
O professor espanhol faz a ressalva de que as tecnologias não são a causa do problema, mas o “amplificam enormemente”. Para Castells, a origem da crise democrática é a falta de confiança nos políticos e nas instituições políticas. Ele aponta a regulação das redes sociais e do uso da inteligência artificial como uma possível saída.
— O problema é que as redes sociais estão controladas por oligopólios e, por conseguinte, teria que se impor por lei a essas empresas essa regulação. Em particular, hoje em dia, o mais importante é começar a regular seriamente a inteligência artificial. A questão aqui é a capacidade que tem a inteligência artificial de criar em nossas mentes um mundo totalmente artificial — afirmou.
De acordo com Castells, três quartos dos cidadãos não confiam em seus políticos, nem nas instituições políticas democráticas. Ele ainda informa que 77% dos pesquisados são a favor da democracia. No entanto, pondera o professor, as pessoas consideram que “a democracia em que vivem não é democracia”. Assim, como as pessoas já pensam que os políticos não são confiáveis, que a política democrática não é essa em que vivem em seu país, as redes sociais com toda essa desinformação ampliam enormemente a crise de legitimidade e, cada vez mais, pessoas reagem emocionalmente. Não acreditam nem na mídia, nem no que veem nas redes, porque cada um acredita na sua parte do que vê nas redes:
— Acredito que a tecnologia por si mesma não causa efeitos sociais e políticos. É como se utiliza a tecnologia, quem e para quem. Então, o que está ocorrendo é que na medida que os processos políticos se decidem, sobretudo na mente das pessoas, a capacidade tecnológica de fazer com que os processos tecnológicos de comunicação estejam embasados em visões fictícias da realidade, [fica] deformada em função dos interesses políticos e sociais.
Propostas
Atentos ao alerta de Castells, os senadores vêm apresentando vários projetos que tratam do uso da inteligência artificial. Para o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), autor do primeiro projeto apresentado no Senado sobre o tema (PL 5.051/2019), a inteligência artificial pode trazer grandes ganhos de produtividade na indústria e na prestação de serviço. No entanto, ressalva o senador, não se pode adotar a inteligência artificial sem uma regulação mínima. Styvenson também é autor do projeto que institui a Política Nacional de Inteligência Artificial, com o objetivo de estimular a formação de um ambiente favorável ao desenvolvimento de tecnologias em IA (PL 5.691/2019).
— A inteligência artificial pode aumentar as taxas de crescimento econômico, a produtividade e permitir a otimização do tempo das pessoas. É uma realidade que está aí e para a qual temos que atentar e articular esforços que envolvam governo, indústria e universidades. Nunca podemos perder de vista o valor do trabalho humano e principalmente o bem-estar de todos. A inteligência artificial deve estar a serviço da sociedade — explicou o senador, ao defender seu projeto no Plenário, em 2019.
As matérias de Styvenson tramitam em conjunto com várias outras propostas na Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial (CTIA). A CTIA foi criada em agosto do ano passado para analisar, no prazo de 120 dias, o anteprojeto apresentado em dezembro de 2022 pela Comissão de Juristas sobre Inteligência Artificial. Com base no texto dos juristas, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, apresentou o PL 2.338/2023, que regulamenta o uso de IA. O texto cria regras para que os sistemas de inteligência sejam disponibilizados no Brasil, estabelecendo os direitos das pessoas afetadas por seu funcionamento. Também define critérios para o uso desses sistemas pelo poder público, prevendo punições para as eventuais violações à lei e atribuindo ao Poder Executivo a prerrogativa de decidir que órgão irá zelar pela fiscalização e regulamentação do setor. No final de 2023, a CTIA foi autorizada a funcionar até o dia 23 de maio deste ano. A comissão é presidida pelo senador Carlos Viana (Podemos-MG) e tem como relator o senador Eduardo Gomes (PL-TO).
Para Pacheco, o desenvolvimento e a popularização das tecnologias de IA têm revolucionado diversas áreas da atividade humana. Ele afirma que “as previsões apontam que a inteligência artificial provocará mudanças econômicas e sociais ainda mais profundas num futuro próximo”. Segundo o presidente, as proposições legislativas apresentadas indicam que o Senado reconhece a relevância da questão. Pacheco ainda registra que sua matéria “busca conciliar, na disciplina legal, a proteção de direitos e liberdades fundamentais, a valorização do trabalho e da dignidade da pessoa humana e a inovação tecnológica representada pela IA”.
O senador Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP) é o primeiro signatário de uma proposta de emenda à Constituição que inclui, entre os direitos e garantias fundamentais, a proteção à integridade mental e à transparência algorítmica (PEC 29/2023). Randolfe argumenta que é consenso que mecanismos de inteligência artificial estão promovendo grandes mudanças propositivas no cotidiano social, acelerando procedimentos, unindo vontades e auxiliando na busca por soluções, sobretudo em plataformas de pesquisa virtual. Contudo, registra o senador, os avanços apontam para uma “fundada e real preocupação a respeito dos limites éticos e normativos a serem observados pela neurotecnologia, trazendo à tona, também, discussões e estudos cada vez mais frequentes sobre a dependência digital, em especial nas crianças e nos adolescentes”. A PEC está aguardando a designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Fonte: Agência Senado
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